Me
formei em 2007 em Artes Plásticas. No mesmo ano, fui aprovado no concurso de
Escrevente do TJ de São Paulo, sendo nomeado em 2010. Tenho um salário
razoável, suficiente para viver com um mínimo de conforto, um bom
reconhecimento dentro do cartório onde estou lotado, comprei meu apartamento,
um bom conhecimento sobre algumas coisas, tenho meu carrinho e uma ótima
companheira. Em geral, para uma vida feliz, tenho tudo o que eu preciso.
Mesmo
assim, já com mais de trinta anos, e sendo pressionado por um filho, resolvi
estudar direito. Obviamente isso poderá me trazer benefícios, como prestar
concursos melhores, ser convidado para gabinetes, etc. Mas em cinco anos muita
coisa pode acontecer, e mais do que nunca, nem sei se estarei vivo até lá. E em
geral, eu não preciso disso para levar uma vida feliz. Não preciso disso sequer
pra garantir meu emprego. Posso dizer que, se quiser me encostar hoje, já tenho
minha vida garantida.
Mas
eu decidi que seguiria este ramo há mais de um ano. E desde que comecei a
estudar para os concursos jurídicos, fiquei fascinado por este ramo tão formal
e técnico, que segrega tanto as pessoas, e em geral, é o extremo oposto do que
eu prego e sigo. Estou dormindo pouquíssimo, gastando uma nota preta em livros
e mensalidade, e ainda por cima tendo que trabalhar com mais intensidade para
repor o que fazia no tempo integral, pra cursar uma faculdade que eu não
preciso. E por quê?
Primeiramente,
porque o conhecimento jamais irá ocupar espaço na mente de qualquer pessoa. E
mais do que receber conhecimento vindo de livros, o que sempre será algo
indispensável, estou recebendo conhecimento de pessoas que estudaram bastante e
que estão aptas a falar com propriedade sobre determinados assuntos que eu
penaria pra entender sozinho. Além do fato de trocar experiência com pessoas
que buscam o mesmo conhecimento que eu, mesmo que por motivos diversos.
Mas
o mais importante, não há como se buscar justiça se não conhecemos sequer as
leis que os regem. Não há como exigir ou se revoltar contra alguma coisa, se
não temos uma base mínima para saber por que iremos gritar. O conhecimento das
leis é indispensável, e deveria ser ministrado desde os primeiros anos do
ensino básico. Conhecer a lei é dever de todo cidadão, para que haja como um
verdadeiro cidadão. Sem a lei não há
justiça.
E
conhecer a lei é necessário, para que a mudemos, quando ela é contrária a toda
moral e toda ética que julgamos a melhor para a vida em sociedade. Mas não só a
lei, como tudo aquilo que a cerca, e que a construiu. Conhecer a lei é conhecer
a história. E conhecer a história é entender o que nos fez chegar até aqui,
onde erramos, onde acertamos, e o que poderíamos fazer de diferente.
Estudar
o direito é ter a possibilidade de peitar este sistema, que trata as pessoas de
maneira tão desigual, dando privilégios para certas classes, deixando outras na
miséria. É lutar contra textos tão técnicos, que se distanciam da população. É
saber do que se fala e onde pode-se exigir mudança.
Estudar
direito é saber que as pessoas têm o direito de serem ouvidas, têm o direito de
se revoltarem contra o que está errado, têm o direito de exigir uma vida
melhor, um trabalho melhor, melhores condições de trabalho, e uma recompensa
que lhes dê condições de sobreviver minimamente bem. Estudar direito é saber
que a vida em uma comunidade exige que se respeite os direitos de todos, e que
se faça sacrifícios para que todos tenham seus direitos respeitados. E que não
é fazer a vontade da maioria, quando esta vontade trará sofrimento desmedido
para alguns, mas ser justo o suficiente para minimizar o sofrimento de todos,
sem que uma minoria pague caro demais por isso.
Estudar
o direito é ter posse da maior arma social que temos alcance. É o necessário
para fazer o que é certo. Propagar este conhecimento é a única forma de
conseguir um futuro melhor. Aceitar o que é certo, mesmo que isso nos tire da
nossa zona de conforto. Por isso eu decidi viver cinco anos de cansaço extremo,
de muito estudo, e de uma mulher um pouco insatisfeita, por ter que esperar
mais cinco anos pra realizar o desejo de ser mãe. Mesmo não precisando
profissionalmente, e mesmo sem certezas de que isso um dia irá me trazer algum
tipo de evolução funcional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário