domingo, 16 de agosto de 2015

A revolta dos ruminantes

No filme “Nação Fast Food”, de 2006, Avril Lavigne e seu grupo de ambientalistas invadem uma fazenda que criava gado para abate, no intuito de vendas para uma empresa de fast food, durante a noite, abrindo então as porteiras, uma vez que sequer vigilância havia na fazenda, dando a oportunidade de que todas as vacas ali presas pudessem escapar. Para surpresa do grupo, as vacas nada fazem, mesmo as que olham para a porteira aberta. Nenhuma delas tenta sair, tenta lutar pela liberdade ou pela própria vida.
Esta cena ficou na minha mente desde que assisti ao filme, no ano de seu lançamento. E este ano, com as manifestações pedindo o impeachment da presidente Dilma, a primeira coisa que vem na minha cabeça é a cena do gado preferindo a morte cruel à liberdade, quando vejo essas pessoas agindo da forma que vêm agindo. Em virtude especialmente desta cena resolvi carinhosamente batizar estas manifestações de “A revolta dos ruminantes”.
Não é de hoje que nossa mídia apoia a direita, especialmente a mais radical e que busca cortar liberdades. Não é de hoje que tudo aquilo que visa manter as imensas desigualdades sociais no país tem sido propagado como se fosse vítimas de injustiças. Não é de hoje que nosso sistema educacional é medonho, fazendo com que as pessoas tenham cada dia menos capacidade de pensamento e de entendimento de sua realidade.
Mas, mesmo assim, ainda fico surpreso com as proporções que a situação tomou, uma vez que é inegável a melhora extrema na qualidade de vida desde que o PT assumiu o poder, desde 2002, mesmo que ainda esteja muito longe de uma coisa que possa ser considerada boa. Isso tudo graças a notícias de corrupção, que sempre aconteceram no Brasil, associada ao grande número de notícias bombásticas que têm sido espalhadas em redes sociais, a maioria falsas, como a associação com grupos comunistas, narcotráfico, que o filho do Lula tem ligação com a Friboi, além de todo tipo de bobagem que possa ser pensado. Coisas que as pessoas não só espalham como acreditam, sem qualquer verificação sobre a realidade dos fatos.
Não gostar do PT pra mim é algo normal, da mesma forma que não gostar de outros partidos. Afinal, não me lembro de lideranças que passaram pelo governo sem grandes escândalos de corrupção. No entanto, apesar de muitos desses grupos terem ficado impunes, como ocorreu com os militares ou mesmo o grupo ligado a Fernando Henrique, nunca houve uma grande mobilização para que essas pessoas fossem barradas. Muito pelo contrário: nesta última eleição para presidente Aécio Neves, um dos políticos com maior número de acusações em suas costas, foi considerado como único salvador a ponto de tirar o PT do poder e tirar o país do buraco. A ponto de agora as pessoas usarem camisetas afirmando não terem culpa da situação, pois votaram no Aécio.
Este fato, por si só já basta para demonstrar o quão imbecis estão as pessoas em nosso país. Mas como temos um histórico lamentável de transformar políticos em heróis, ainda vamos considerar como apenas mais um escorregão.
O que torna a coisa ainda mais grave é que não existe um único fato que comprove ou que dê um mínimo de sustentação para que haja impeachment. O processo é taxativo em suas formas, descritas todas na nossa Constituição. A presidente, em seus oito meses do atual mandato, não teve comprovado contra si nem o cometimento, nem sequer envolvimento em qualquer tipo de crime, irregularidade ou problema administrativo que possa sequer dar razão a um pedido formal de impeachment no Congresso. A nossa oposição tenta desesperadamente que suas contas sejam reprovadas pelo TCU para terem pelo menos uma argumento para que sustentem a natureza do ato.
Se nada justifica, então não há impeachment. O que temos aqui, claramente, é um golpe. Um golpe formulado por setores que têm interesse em colocar seus representantes e que fizeram uma ótima campanha para convencer pessoas leigas que isso é o desejo geral. E mesmo nossa lei maior sendo clara neste sentido, o povo não tem sequer a vergonha na cara de ler o texto, que não é tão difícil assim, para saberem se o que está sendo pedido tem algum fundamento.
Rasgar nossa carta maior, ainda mais num ponto como estes, é deixar claro ao mundo que não somos respeitáveis nem mesmo nas decisões tomadas pelo próprio povo. Aqui a realidade pode mudar, de acordo com o humor coletivo, diante de qualquer tipo de crise. Ninguém poderá mais confiar neste país, porque aqui nunca mais vai se saber o que pode acontecer diante de um problema. Nem mesmo governantes de direita terão tanta estabilidade assim, nem irão transmitir a confiança necessária para que o país seja levado a sério.
Os resultados desse tipo de ato são claros ao redor do mundo: guerras civis, quebra de relações comerciais, fechada de embaixadas, expulsão de grupos comerciais, perda de muito dinheiro e consequentemente de empregos. A única coisa que se consegue com isso é o caos. Basta olhar o que ocorreu com o Paraguai anos atrás. Ou como estão os países muçulmanos, em suas eternas ditaduras e injustiças sociais. Nenhum país do mundo aceita mais este tipo de situação.
Atualmente, nem mesmo alguns setores da mídia, outrora extremamente conservadores, estão apoiando o golpe. Até mesmo a rede Globo passou a defender o mandato da presidente. E não acreditem que de repente a emissora se converteu ao petismo: ela sabe tanto que o país irá perder uma soma incrível de recursos, terá praticamente o Planeta Terra inteiro contra ela, ao contrário do que ocorria nas épocas da ditadura militar, nos anos 1960 e ainda por cima corre o risco de ver o povo criar pequenas facções e se tornar incontrolável.
Vimos recentemente um grupo sindicalista ameaçar pegar em armas se for preciso apra defender a presidente. Não sei se foi uma figura de linguagem ou não, mas fica claro que a semente do problema está lançada. Não vai demorar até que grupos pró ou contra, num cenário golpista, comecem a agir e tenhamos a volta de atentados e grupos guerrilheiros. Só não vê quem não quer.
Por todas estas razões a situação é bem simples. Conhecimentos básicos da nossa Constituição, aliados a conhecimentos básicos da história do nosso país e do nosso planeta, em termos políticos, podendo apenas ser uma pessoa antenada em noticiários diante da realidade social de diversos países do mundo, e uma pequena, bem simples, análise econômica e social de quadros em que golpes ocorreram demonstram claramente que apoiar um golpe é um erro absurdo e sem sentido. É assumir uma burrice sem igual, como as pessoas que resolvem protestar atenado fogo ao próprio corpo. Só que neste caso é ao próprio corpo e a todos as demais pessoas que esitverem por perto.

Por tudo isso essa situação não pode ter outro nome senão “A revolta dos ruminantes”. E peço perdão a todos os burros, asnos, jumentos e mulas que puderem se ofender ao serem comparados com seres humanos tão irracionais, mas não há como não associar este comportamento tão estúpido.