quarta-feira, 27 de julho de 2011

O convite, a recusa e o reconhecimento


Sempre que alguma coisa muito boa acontece na minha vida, eu penso em tudo o que me ocorreu até 2004. É inevitável. Impossível não imaginar o que teria sido se eu terminasse da maneira como tudo caminhava. Depressão, desânimo, falta de saúde. Um perdedor com uma vida condenada. Não tem como não lembrar de como as coisas podem mudar quando agente luta.
Tive a honra de ter feito grandes amigos na minha vida, assim como tive a sorte de ter encontrado uma mulher incrível para compartilhar todos os momentos. Me esforcei muito e passei em bons concursos. Me formei. E tenho um emprego razoável. Mas agora vejo que também minha qualificação vem sendo reconhecida: recebi um convite para ser chefe de um cartório. Em termos, fico triste, porque a chefe é uma das pessoas mais gente boa que existe, que não agüentou a pressão e o colapso que o TJ causa na vida. Em parte, fico feliz, porque, depois de tanto esforço, finalmente pelo menos recebo o reconhecimento que meu trabalho está no caminho certo.
Em quinze meses de TJ, percebi que quem trabalha na justiça de tédio não morre. Agente faz tanta coisa lá, que é praticamente impossível ficar de saco cheio. E ao longo desse tempo, tive algumas experiências, que num lugar normal, demoraria anos para acontecer. Atendimento ao público, juntada e análise de petições, mandados, cartas de ordem, certidões de objeto e pé, publicações (ao quadrado), organização, triagem, análise de despachos, trânsito em julgado, broncas de desembargadores estrelinha, revolta de advogado, gente chata que só quer atrapalhar, colega mal humorado, muito café, e alta rotatividade dos colegas. Legal inclusive por ter sido substituto, em que pese o fato claro de os mais experientes não quererem. Mas é legal ver que as pessoas vão confiando no trabalho, mesmo que sendo o que resta a elas.
E mais intrigante ainda é ter a certeza que às vezes agente pode perder a cabeça, e por nada quebrar o pau com alguém. Eu fico imaginando se não tivesse me controlado, e explodido com a minha chefe quando ela estava revoltada comigo. Parecia que ela realmente odiava o meu trabalho, e naquele momento, não via outra alternativa a não ser sair do cartório, pra outro lugar. Depois de alguns poucos meses, as coisas andam tão maravilhosamente na linha, que realmente eu sei que de vez em quando agir com frieza é o melhor remédio.
Ver que uma pessoa nervosa esbanja bom humor, ao saber que as coisas estão na ordem, e está desesperada pelo simples fato de você sair de férias, é realmente uma glória. Ouvir elogios o tempo todo (apesar de muitas vezes serem exagerados, eu admito), faz bem pro ego. Especialmente de uma pessoa que busca e buscou a vida toda ser melhor, e realmente ser um exemplo positivo. Acho que este reconhecimento é capaz de superar os obstáculos. Especialmente quando pessoas extremamente qualificadas, como minha chefe é, ficam felizes em ter sua presença na equipe. Isso é uma vitória.
Mas, não aceitei o convite. Seriam R$1.300,00 a mais, aproximadamente.  O que eu recebia como professor. Um dinheiro tentador. Seria um bom status. Muita gente pedindo que eu aceitasse (exceto minha chefe, é claro). Foi realmente uma grande sensação. Mas, na boa, na vida existem coisas mil vezes mais importantes do que os adjetivos acima. Eu já escrevi sobre isso antes. Meus verdadeiros tesouros não se resumem nesse dinheiro extra, nem no título de chefia. Prefiro ter paz pra curtir minha futura esposa, pra poder fazer minha corridinha com alegria. Prefiro poder curtir meu fim de semana em paz, cumprir meu horário da melhor forma possível, continuando com o trabalho até agora feito. E ainda quero estudar, o que iria de encontro com a responsabilidade do cargo.
E seu eu pensasse em filhos, de que adianta ter o cargo, e uma carga altíssima de estress, a ponto de não ter saúde pra curtir a prole? Não quero remédios pra dormir, nem continuar com as malditas insônias, que só chegam a mim nos meus momentos de nervoso. Não quero alguém me procurando a cada cinco minutos pra informar mudanças estúpidas de quem não tem o que fazer (guiar uma unidade não é isso). Gosto de ter a minha paz. E gosto de saber que minhas qualidades não são sugadas, e que eu vou ruir por ser um líder.
Por isso que agradeço ao convite, agradeço à confiança que as pessoas depositam em mim, assim como agradeço demais o apreço que elas parecem ter. Eu sei que com o tempo eu conquistei isso, e sei que existe um grande exagero, quando elas têm simpatia por alguém, e quando esse alguém demonstra força de vontade, raro pra maioria das pessoas atualmente. Agradeço a felicidade de alguém que se esforça muito, em saber que eu continuarei, e agradeço demais à compreensão dos que me queriam, entendendo meus motivos. E fico feliz em saber que, depois de tanta luta, parece que o caminho da vitória está traçado. E agradeço ter descido ao inferno, pra poder saborear com ainda mais alegria o paraíso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário