quarta-feira, 14 de outubro de 2020

ELA ESTÁ DE VOLTA

E o STJD condenou a jogadora de vólei de praia, Carol Solberg, porque na comemoração de uma medalha de praia num torneio internacional, gritou “fora Bolsonaro”, algo que praticamente metade da nação tem gritado e pensado há quase dois anos. A atleta foi advertida, ao invés de receber uma multa.

Nossa Constituição, no Art. 5º, este cláusula pétrea, ou seja, jamais poderá ser sequer alterado, em seu inciso IV, prega que é livre o pensamento, sendo apenas vedado o anonimato. Se você tem liberdade de pesamento, significa que você pode se expressar livremente, incluindo ideias políticas, críticas, elogios… se você passar do ponto, e ofender quem você está criticando, responderá civilmente por isso, mas jamais poderá ser censurado por seu modo de pensar ou se expressar.

O que fez a corte, privada, do esporte, foi limitar um direito constitucional inviolável. A decisão da corte é nula de pleno direito. Mas infelizmente estamos vivendo um momento sombrio, onde a liberdade de pesamento tem sido sorrateiramente limitada, por pequenas ações, condenações, proibições judiciais, etc.

Rachel Sheherazade foi demitida do SBT por pressão do véio da Havan, um dos caras mais repulsivos que já pisaram no território nacional (e a concorrência é grande), sendo esse um dos maiores financiadores do canal. O motivo é que a reporter é uma voraz crítica do atual presidente, dizendo-se arrependida de algum tipo de apoio. A mesma jornalista foi também crítica ferrenha do governo petista, defendendo inclusive o golpe de 2016. Em nenhum momento houve qualquer tentativa de demissão ou censura da jornalista.

Recentemente o judiciário proibiu a Rede Globo de divulgar matérias referentes ao processo de prevaricação do Senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro, alegando ser segredo de justiça. A segunda instância confirmou a censura. Eu gostaria de dizer que nada parecido ocorreu no governo do PT, mas na verdade nada ocorreu de forma minimamente semelhante em nenhum governo democrático no país.

Esse pequeno controle da mídia e do judiciário é a típica atuação do autoritarismo moderno. As novas ditaduras, como a Hungria, Polônia, Venezuela, entre outras, ocorreu dessa forma. Os ditadores aparelharam diversos órgãos de imprensa ou dos poderes nacionais, sufocaram os setores da mídia que ficaram contra, fecharam canais da mídia, prenderam opositores, criaram leis que davam plenos poderes ao tirano (como está no projeto que quer destruir os serviços públicos, denominada de deforma administrativa). Qualquer pessoa pode conferir na brilhante obra “Como as Democracias Morrem”.

Quando da eleição os avisos foram de todos os lados. Estava muito claro que vivíamos um momento de exceção. O risco era gritante, analisando o histórico do então candidato à presidência. Algumas pessoas diziam, replicando frases prontas, que o Brasil iria se tonar uma Venezuela se o PT vencesse. Mas analistas políticos alertaram que a grande chance de nos tornarmos uma Venezuela era a vitória do ex-militar expulso com desonra.

Pra quem está vivendo nesse plano, sabe que todos os preços, de praticamente tudo, subiu assustadoramente de um ano pra cá. O investimento estrangeiro sumiu do país. O índice de desmatamento e desrespeito ao meio ambiente explodiram. Setores da política foram comprados. Listas não foram respeitadas. E todas as investigações contra integrantes do governo foram sumariamente arquivadas. Fora os incontáveis atos contra o STF e o Congresso, muitas delas com participação do presidente e de alguns ministros, atos estes que pediam intervenção militar, ditadura com o presidente.

O Brasil está se tornando uma Venezuela. Aos poucos, como ocorre em qualquer país que venha a se tornar autoritário. Não chegamos ao ponto de prender opositores, como ocorre lá, ainda, mas muitos deixaram o país com medo das ameaças de morte. Qualquer pessoa que se coloque contra o presidente sofre diversas ameaças em redes sociais. Alguns são interpelados na rua. Já vimos casos de repórteres serem agredidos ao vivo.

Estamos caminhando, pouco a pouco, para uma ditadura. Não com canhões e armas, como ocorria no século passado. Mas com aparelhamento do Estado, com suborno, com a censura de pequenas críticas, ameaças. Exatamente como dissemos que ocorreria, na eleição. Muitos não ouviram, o que não é surpreendente, dada a limitação intelectual da maioria dos brasileiros. Muitos disseram que era exagero.

No livro “Como Funciona O Fascismo”, de Jason Stanley, uma das obras mais brilhantes e esclarecedoras que já li, o autor afirma que os judeus ouviam histórias de outros judeus levados para campos de trabalho escravo, mas como a realidade deles era outra, e não viam ao vivo o que ocorria, muitos não se importavam. Da mesma forma, no maravilhoso filme “Ele Está de Volta”, após Hitler se tornar uma celebridade na Alemanha, uma senhora, a avozinha, já esclerosada, reconhece a voz do ditador e entra em pânico, afirmando que no começo todos achavam o tirano engraçado, e quando menos esperavam, estavam todos mortos.

Será que nós seremos os que não irão se importar, porque nossa vida está indo mais ou menos bem (estamos comendo, ainda)? Será que vamos continuar rindo do tirano antes de sermos nós os próximos calados ou perseguidos? Será que só vamos levar à sérios os avisos quando for tarde demais? 

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