Em
fevereiro de 2008 assumi meu primeiro cargo concursado de servidor
público. Professor de artes, da rede estadual. Um salário merreca,
trabalhava feito um condenado e não tinha dinheiro pra nada além de
comer e pagar as contas básicas. Uma rotina desgastante e
frustrante, até ser nomeado para o cargo de escrevente do Tribunal
de Justiça, em maio de 2010, onde estou até hoje.
O
salário aqui é razoável. Talvez pra um solteiro sem filhos fosse
ótimo, mas como sou divorciado com filho pequeno, também fica com
água no nariz. Fora que nesses últimos 12 anos as coisas ficaram
muito caras.
Eu
realmente tenho uma alegria imensa de fazer parte do serviço
público. É algo que almejava antes de ser empossado, me esforcei
muito para tal e desempenho com orgulho. Trabalho demais, o salário
não é nenhuma maravilha, as condições são contestáveis, mas é
algo gratificante por diversos motivos. O grande problema é que
existe uma campanha maldita, especialmente na mídia, que torna os
servidores públicos como inimigos e principal causa dos problemas da
nação.
Os
motivos disso são claríssimos: existem grandes multinacionais
desesperadas para privatizar tudo o que podem, e sem a ideia que o
serviço é desastroso, com gente desqualificada, nunca vão
conseguir. Então o governo deixa de investir o que é necessário e
você joga toda a culpa nos funcionários pelas más condições no
desempenho das atribuições. E digo grades corporações porque
nenhuma empresa nem de médio porte tem condições de concorrer numa
licitação para compra de estatais.
Atualmente
tivemos uma onda de ideia de corte de salário de servidores em
tempos de crise. Salários médios de R$4 a R$5 mil. Colocam como
salários altíssimos. Acho que andaram esquecendo que o salário
mínimo está na faixa de R$1000. Então esses super salários estão
numa base de 5 salários mínimos. Fora que segundo as pesquisas mais
importantes, se nosso salário mínimo fosse realmente o valor
necessário para custear as despesas básicas inseridas no art. 6º
da CF, teríamos uma média de R4.500. Ou seja, os servidores ganham
um salário mínimo correto para sobreviverem.
Aí
vem o argumento que os salários são muito superiores aos da
iniciativa privada. Se os funcionários públicos ganham salários
limites para cobrirem as necessidades básicas, o problema é que
seus salários são altos ou será que a iniciativa privada que paga
um salário de fome? O que precisamos corrigir, para um projeto de
país, é elevar as condições mínimas de todos os trabalhadores,
ou jogar todo mundo para uma condição de miséria?
Eu
nunca vi ninguém falar sobre os impostos pagos pelos empregadores
para o custeio de funcionários, que superam os 100% do valor dos
salários. Falam em cortar indenizações, cortar jornadas, cortar
direitos, mas nunca mexer no que faz esses salários decaírem tanto.
E os trabalhadores, por sua vez, não enxergam que sua condição de
miséria e submissão total está sendo ainda mais ampliada. Só veem
o inimigo criado pelo mercado para manter privilégios.
Agora
vamos pensar nas aberrações. Existe no serviço público salários
absurdos. Juízes e políticos federais tem salários acima de R$25
mil. E todos esses têm diversos assessores, pra todos os assuntos
possíveis, cargos de confiança, que dispensam concurso público,
além de muitas vezes dispensarem a necessidade de um diploma que os
endosse. Fora que os salários costumam ser também acima de R$10
mil.
Além
disso, há uma série de “penduricalhos”, como adicionais, verbas
indenizatórias, que engordam ainda mais a conta. Um juiz, com
salário de R$25 mil, como informado, tem direito, na grande maioria
das vezes, a um auxílio moradia no valor de R$4.3 mil, basicamente o
salário do servidor que você acha que ganha muito, mesmo tendo
moradia própria.
Uma
matéria de jornal mostrou que, com todos os auxílios, um
desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tirava,
líquido, R$150 mil. Quanto tempo você demora pra ganhar isso?
Agora
vamos pensar em 512 deputados, 81 senadores, e imagine uns 5
assessores cada, pra ser bem bonzinho. Quanto da essa conta? Junte a
isso os deputados estaduais, vereadores e todos os cargos
comissionados e verbas indenizatórias. Quanto a máquina pública
gasta pra manter essas pessoas. E pensa numa cidade pequena lá do
interior de Pernambuco, com a quantidade de pessoas que cabem num
bairro pequeno de São Paulo. Os vereadores têm salários de R$15
mil, na média. Imagina o que isso representa nas contas da cidade.
Você
já viu uma grande campanha pra cortar o número de políticos? Pra
cortar seus benefícios? Já viu alguma campanha pra diminuir
salários de juízes e desembargadores? Você sabia que um deles
ganhava R$150 mil? É óbvio que não. Ninguém quer privatiza o
Congresso, nem os tribunais. Fora que esses caras é que vão dar
asas a essa farra de privatizações e dar lucro a grandes empresas
em cima de serviços básicos. Então por que mexer com elas?
Outro
ponto importante que agora muita gente começou a bater foi na
estabilidade dos servidores, como sendo um privilégio. Então vamos
falar um pouco sobre o heroi dos trouxas, o Sérgio Moro. O cara
assumiu o Ministério da Justiça com status de heroi intocável por
quem colocou esse presidente lá. Aí, depois que Moro resolveu não
fazer o que a criança mimada que era seu chefe queria, pra proteger
os familiares, começou a ser perseguido, até não aguentar mais e
se demitir.
Ta
bom, Moro pode ser um exemplo mais extremista, porque estamos falando
sobre um possível crime. Vamos pensar no Mandetta, um ministro muito
elogiado no combate à pandemia. Ele seguiu os protocolos médicos
estipulados pela OMS e por todas as organizações mais respeitas da
área da saúde, e com isso teve que contrariar o menino mimado. Ele
fez o que a profissão a qual ele se formou determina. E o resultado,
é que foi demitido pelo chefe, depois das negativas. Mandetta não
tinha estabilidade e não pôde contrariar o Napoleão dos trópicos.
E perdeu a guerra.
Nós
temos estabilidade porque não estamos associados a nenhum governo ou
nenhum partido. Eu faço o que determina a lei e o que deve ser feito
pelo bem da população, na medida das condições financeiras da
repartição. Não estou preocupado com a ideologia do governo que
está no poder, quem eles odeiam, quem patrocinou a campanha. Faço o
que é certo. E sei que não terei grandes problemas de perseguição
se não estiver de acordo com esses interesses. O que já não
ocorreria no caso de estar com um contrato CLT. Todos os servidores
hoje seriam malucos contra minorias, que acham que o comunismo é o
maior problema. Imagina que beleza. E pra ficar mais legal, se o PT
ganhar em 2022, todos eles seriam demitidos e substituídos por
esquerdistas. Uma zona.
Por
isso, caro alineado, seria muito bom se informar sobre o que é
serviço público, as condições de trabalho, a realidade de grandes
interesses, o que é dever do Estado, e quem realmente ganha grandes
salários. E se mexer pra ter os seus direitos respeitados. Pare de
ser massa de manobra de quem tem muito a lucrar em criar esses
inimigos (que estão colocando granadas nos bolsos).
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