quarta-feira, 1 de julho de 2020

GRANADA NO BOLSO DO INIMIGO


Em fevereiro de 2008 assumi meu primeiro cargo concursado de servidor público. Professor de artes, da rede estadual. Um salário merreca, trabalhava feito um condenado e não tinha dinheiro pra nada além de comer e pagar as contas básicas. Uma rotina desgastante e frustrante, até ser nomeado para o cargo de escrevente do Tribunal de Justiça, em maio de 2010, onde estou até hoje.
O salário aqui é razoável. Talvez pra um solteiro sem filhos fosse ótimo, mas como sou divorciado com filho pequeno, também fica com água no nariz. Fora que nesses últimos 12 anos as coisas ficaram muito caras.
Eu realmente tenho uma alegria imensa de fazer parte do serviço público. É algo que almejava antes de ser empossado, me esforcei muito para tal e desempenho com orgulho. Trabalho demais, o salário não é nenhuma maravilha, as condições são contestáveis, mas é algo gratificante por diversos motivos. O grande problema é que existe uma campanha maldita, especialmente na mídia, que torna os servidores públicos como inimigos e principal causa dos problemas da nação.
Os motivos disso são claríssimos: existem grandes multinacionais desesperadas para privatizar tudo o que podem, e sem a ideia que o serviço é desastroso, com gente desqualificada, nunca vão conseguir. Então o governo deixa de investir o que é necessário e você joga toda a culpa nos funcionários pelas más condições no desempenho das atribuições. E digo grades corporações porque nenhuma empresa nem de médio porte tem condições de concorrer numa licitação para compra de estatais.
Atualmente tivemos uma onda de ideia de corte de salário de servidores em tempos de crise. Salários médios de R$4 a R$5 mil. Colocam como salários altíssimos. Acho que andaram esquecendo que o salário mínimo está na faixa de R$1000. Então esses super salários estão numa base de 5 salários mínimos. Fora que segundo as pesquisas mais importantes, se nosso salário mínimo fosse realmente o valor necessário para custear as despesas básicas inseridas no art. 6º da CF, teríamos uma média de R4.500. Ou seja, os servidores ganham um salário mínimo correto para sobreviverem.
Aí vem o argumento que os salários são muito superiores aos da iniciativa privada. Se os funcionários públicos ganham salários limites para cobrirem as necessidades básicas, o problema é que seus salários são altos ou será que a iniciativa privada que paga um salário de fome? O que precisamos corrigir, para um projeto de país, é elevar as condições mínimas de todos os trabalhadores, ou jogar todo mundo para uma condição de miséria?
Eu nunca vi ninguém falar sobre os impostos pagos pelos empregadores para o custeio de funcionários, que superam os 100% do valor dos salários. Falam em cortar indenizações, cortar jornadas, cortar direitos, mas nunca mexer no que faz esses salários decaírem tanto. E os trabalhadores, por sua vez, não enxergam que sua condição de miséria e submissão total está sendo ainda mais ampliada. Só veem o inimigo criado pelo mercado para manter privilégios.
Agora vamos pensar nas aberrações. Existe no serviço público salários absurdos. Juízes e políticos federais tem salários acima de R$25 mil. E todos esses têm diversos assessores, pra todos os assuntos possíveis, cargos de confiança, que dispensam concurso público, além de muitas vezes dispensarem a necessidade de um diploma que os endosse. Fora que os salários costumam ser também acima de R$10 mil.
Além disso, há uma série de “penduricalhos”, como adicionais, verbas indenizatórias, que engordam ainda mais a conta. Um juiz, com salário de R$25 mil, como informado, tem direito, na grande maioria das vezes, a um auxílio moradia no valor de R$4.3 mil, basicamente o salário do servidor que você acha que ganha muito, mesmo tendo moradia própria.
Uma matéria de jornal mostrou que, com todos os auxílios, um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tirava, líquido, R$150 mil. Quanto tempo você demora pra ganhar isso?
Agora vamos pensar em 512 deputados, 81 senadores, e imagine uns 5 assessores cada, pra ser bem bonzinho. Quanto da essa conta? Junte a isso os deputados estaduais, vereadores e todos os cargos comissionados e verbas indenizatórias. Quanto a máquina pública gasta pra manter essas pessoas. E pensa numa cidade pequena lá do interior de Pernambuco, com a quantidade de pessoas que cabem num bairro pequeno de São Paulo. Os vereadores têm salários de R$15 mil, na média. Imagina o que isso representa nas contas da cidade.
Você já viu uma grande campanha pra cortar o número de políticos? Pra cortar seus benefícios? Já viu alguma campanha pra diminuir salários de juízes e desembargadores? Você sabia que um deles ganhava R$150 mil? É óbvio que não. Ninguém quer privatiza o Congresso, nem os tribunais. Fora que esses caras é que vão dar asas a essa farra de privatizações e dar lucro a grandes empresas em cima de serviços básicos. Então por que mexer com elas?
Outro ponto importante que agora muita gente começou a bater foi na estabilidade dos servidores, como sendo um privilégio. Então vamos falar um pouco sobre o heroi dos trouxas, o Sérgio Moro. O cara assumiu o Ministério da Justiça com status de heroi intocável por quem colocou esse presidente lá. Aí, depois que Moro resolveu não fazer o que a criança mimada que era seu chefe queria, pra proteger os familiares, começou a ser perseguido, até não aguentar mais e se demitir.
Ta bom, Moro pode ser um exemplo mais extremista, porque estamos falando sobre um possível crime. Vamos pensar no Mandetta, um ministro muito elogiado no combate à pandemia. Ele seguiu os protocolos médicos estipulados pela OMS e por todas as organizações mais respeitas da área da saúde, e com isso teve que contrariar o menino mimado. Ele fez o que a profissão a qual ele se formou determina. E o resultado, é que foi demitido pelo chefe, depois das negativas. Mandetta não tinha estabilidade e não pôde contrariar o Napoleão dos trópicos. E perdeu a guerra.
Nós temos estabilidade porque não estamos associados a nenhum governo ou nenhum partido. Eu faço o que determina a lei e o que deve ser feito pelo bem da população, na medida das condições financeiras da repartição. Não estou preocupado com a ideologia do governo que está no poder, quem eles odeiam, quem patrocinou a campanha. Faço o que é certo. E sei que não terei grandes problemas de perseguição se não estiver de acordo com esses interesses. O que já não ocorreria no caso de estar com um contrato CLT. Todos os servidores hoje seriam malucos contra minorias, que acham que o comunismo é o maior problema. Imagina que beleza. E pra ficar mais legal, se o PT ganhar em 2022, todos eles seriam demitidos e substituídos por esquerdistas. Uma zona.
Por isso, caro alineado, seria muito bom se informar sobre o que é serviço público, as condições de trabalho, a realidade de grandes interesses, o que é dever do Estado, e quem realmente ganha grandes salários. E se mexer pra ter os seus direitos respeitados. Pare de ser massa de manobra de quem tem muito a lucrar em criar esses inimigos (que estão colocando granadas nos bolsos).

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