Meu último dia como
professor. Aula numa sexta série, na escola pública. Sala e aula agitadíssima.
Um menino provoca sem parar uma menina, que fica irritada. Apesar de algumas
broncas, ele não para. Chega um momento que ela fica de saco cheio, pega a carteira
e arremessa com tudo no menino, que naquele momento estava do outro lado da
sala. No último segundo ele abaixa e a carteira acerta a parede, arrancando um
pedaço considerável.
Fico tentando entender que
tipo de doutrinação é possível num ambiente desses. Existe uma dificuldade
imensa de controlar uma sala de aula. Poucos alunos se interessam em prestar
atenção. Poucos também respeitam a figura do professor.
Os poucos professores que
conseguem manter a sala de aula mais ou menos controlada o fazem com ameaças e
com uma postura incrivelmente ditatorial, algo que não propicia um ambiente
saudável para aprendizado, mas é a única opção a se seguir.
Agora existe uma corrente
inacreditável que fala em doutrinação de esquerda nas escolas. Na grande
maioria, pessoas que jamais pisaram numa sala de aula e que acham que entendem
bem o problema do ensino. E pregam que este é o problema.
Uma doutrinação de esquerda
que não consegue explicar o conceito de comunismo, de anarquismo, de justiça
social, de convivência coletiva. Uma doutrinação de esquerda que traz um povo
absurdamente conservador, onde busca-se mais o controle das ações sexuais das
pessoas do que combate à violência sexual, por exemplo.
Aprendi sobre comunismo no
cursinho, porque na escola era impossível alguém dar aula. Meu professor era
abertamente de esquerda. Mas também ensinou sobre o nazismo, sobre o
liberalismo, sobre monarquia, sobre feudalismo... em 2000, meu último ano na
escola, aprendi sobre vários temas políticos, que me fascinaram na época, e mantém
fascinando até hoje. Eu particularmente me engajei pela esquerda, mas pessoas
que estudaram comigo mantém posições de direita, assistindo às mesmas aulas.
Queria saber quantas dessas
bestas que pregam essa aberração já pararam pra ler algum livro de Marx, de
Locke ou de Adam Smith. Acredito que uma meia dúzia talvez tenha folhado e lido
algumas frases. Isso com muito boa vontade.
Escola sem partido poderia
ser definida como escola sem cérebro. O controle absoluto do que é passado em
sala de aula, com censura a determinados temas e definição por outros. Isso
sim, um controle e uma doutrinação expressa. Algo expressamente proibido pela
nossa Constituição, que prevê a integral liberdade de aprendizagem e de ensino.
Pelo que pude acompanhar até
agora, os Órgãos Especiais dos tribunais estaduais têm dado ganho de causa a
quem crítica essa baboseira. O próprio tribunal de São Paulo, que eu considero
o mais conservador do país, já determinou a inconstitucionalidade desse projeto
acéfalo. Por 24 votos a zero. Unânime. Em decisão liminar, o STF suspendeu essa
besteira, com a sustentação de Barroso de que a liberdade de ensinar e aprender
não pode ser restrita.
O desconhecimento da nossa
lei, inclusive nossa lei maior, leva pessoas a apoiarem essa aberração. O desconhecimento
total leva pessoas a acharem que doutrinação é nosso problema. Pessoas acham
que barrar determinados tipos de conhecimento é a solução para alguma coisa.
Enquanto isso, nossos
professores são muito mal pagos; salas de aula e escolas estão destruídas, sem
material, sem estrutura, sem estímulo. Mas para essas pessoas, essas são coisas
banais, que não interferem no ensino.
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