Quando Lula foi conduzido
coercitivamente para prestar depoimento sobre um suposto triplex
usado como propina, estava mais do que claro pra qualquer pessoa com
mínimos conhecimentos jurídicos que estavamos diante de um show
midiático cujo objetivo era uma satisfação política, que ainda
não tínhamos exatamente noção da dimensão.
Condução coercitiva é algo bem mais
sério e extremo, usado em casos de recusa a depor, e geralmente em
juízo, depois de tentativas frustradas, com requerimento de uma das
partes integrantes do processo, para que as provas façam sentido.
Não é uma arma inicial sob alegação de possível recusa ou de
frustração processual. Isso não existe.
Dali em diante, tivemos um show de
horrores impensável, com uma condução baseada em “convicção”
do juiz, diante de fatos. O que basicamente é o mesmo que dizer que
não há provas, mas acredita-se na culpa do réu.
A ação de Sérgio Moro diante do
caso Lula especificamente foi a pá de cal num sistema jurídico já
destroçado, com decisões altamente suspeitas, sempre favorecendo
determinados grupos e incrivelmente favoráveis a crimes. Mas Moro
extrapolou os limites aceitáveis de qualquer ação judicial.
Tornou-se um show man, que representou um grupo específico, ganhando
fama e poder, elevado ao status de heroi nacional.
A função do juiz é julgar a ação,
baseado em provas cabais. E no caso do direito penal, busca-se a
verdade real. A Constituição já deixa claro que a dúvida é
sempre pró-réu, sendo que ele será inocente até que se prove o
contrário. Assim, deve ser provado da forma peremptória que o réu
cometeu o crime. O juiz deve ser imparcial, observando as provas de
forma isenta, ouvindo da mesma forma a defesa e a acusação, sem
tomar partido, sem aconselhar, sem ter qualquer tipo de relação
emocional, ideológica ou profissional com qualquer das partes.
No processo penal, a acusação é
privativa do Ministério Público. Só ele pode acusar, exceto nos
casos de injúria. A parte só pode agir em caso de omissão do
Ministério Público. É um órgão independente e isento do
judiciário. Ele participa da investigação e da subsunção dos
fatos às provas. E o MP pode entender que o réu não cometeu o
crime diante das provas, pode entender que sequer houve crime e pedir
a absolviçao do réu ou mesmo o arquivamento do processo.
Dito isso, que são preceitos muito
básicos do direito, e qualquer aluno medíocre em começo de
carreira tem que saber de cor, os fatos que ocorreram no julgamento
de Lula deixam mais do que claro que a condução processual foi
completamente viciada. Desde a condução coercitiva, como foi
citado, passando por áudios vazados de forma ilegal envolvendo a
então presidente da república, cuja competência é exclusiva do
STF, condenação em tempo recorde, impedindo a candidatura de Lula à
presidência, ameaça de greve de fome caso o STF concedesse o HC ao
condenado (o que, no caso do MP, é algo gravíssimo), retorno do
juiz de férias, para atropelar uma decisão de plantão, que só
poderia ser analisada pelo colegiado, fazendo todo o possível para
impedir a soltura do réu, que já estava em grau de recurso, e não
mais deveria ser julgado pelo juiz de primeiro grau.
A quatro dias da eleição
presidencial em seu primeiro turno, o juiz soltou um áudio, gravado
em depoimento, seis meses antes, onde havia denúncia que o PT teria
corrompido o sistema para se perpetuar no poder. Coincidentemente,
ocorria uma subida meteórica do candidato Fernando Haddad, do PT nas
pesquisas. Após o áudio, Bolsonaro dispara, e quase ganha no
segundo turno, o que acabou ocorrendo no segundo. Poucas semanas
depois da vitória, Moro aceita o convite do vencedor, diretamente
beneficiado pelo áudio, para ser ministro da justiça, com status de
superministro. Meses depois, o presidente da com a língua nos dentes
e revela que já há a promessa de Moro ser o próximo indicado ao
STF.
Eu diria que pra não ver que os fatos
são descaradamente tendenciosos e com objetivos excusos, a pessoa
tem que ser muito, mais muito “torcedora” de um dos lados, nesse
caso, anti-PT, e fazendo-se de cega para que o partido que ela não
gosta não esteja no poder, a qualquer custo. Trazer Moro como heroi,
diante dos fatos, só pode significar uma absurda ignorância com o
sistema judiciário brasileiro, desconhecimento completo das nossas
leis, ou uma total falta de caráter, onde o interesse privado
sobrepõe-se, a todo custo, ao direito da maioria escolher como
seguir o caminho.
Porém, surgiram os vazamentos do
Intercept. Neles, Moro deixa claro que estava comandando diretamente
a acusação, interferindo, quase como chefe, no trabalho do
Ministério Público, com mudança de ordem de depoimentos, estilos
de acusação, formas de agir, mudança de procuradora, antecipação
de sentença, entre outras. E o pseudo-juiz é tão fraco ou sente-se
tão intocável, que realmente admitiu como verdadeiras as conversas,
para depois dizer que não ocorreu nada de mais.
Pessoas com reais interesses em fatos,
que ouviram juristas renomados, sabem que o que ocorreu é
gravíssimo. O ato é corrupção pura. Foi ferida diretamente a
constituição federal, o código de processo penal, o código de
ética da magistratura, e leis referentes ao sistema eleitoral. O
processo está inteiramente apodrecido e inutilizado.
O histórico do juiz está repleto de
casos anulados por usurpação das funções do MP, abuso de poder e
erros processuais. O Banestado foi assim, permitindo que muitos réus
fossem inocentados. O que ocorre agora é que existe um risco imenso
de toda a operação Lava Jato ser anulada, e pessoas como Eduardo
Cunha, Palloci e Vaccari serem soltos e ainda indenizados pelo
Estado. Lula, nesse caso, seria o menor dos problemas.
O andamento regular do processo é
mais importante que as provas. Respeitar o direito à defesa, a
imparcialidade e o tempo razoável são ações imprescindíveis para
que todo um trabalho não seja aniquilado. Moro certamente sabia
disso. Mas o status de heroi o permitiu agir da forma que bem
quisesse.
Sinceramente, o Intercept é apenas o
ato de esfregar na cara. Os fatos estavam aí o tempo todo. Agora só
sabemos que Sérgio Moro é um sujeito altamente corrupto e
desonesto, como todos os que condenou.
Não acredito particularmente que Lula
seja inocente. Creio que numa investigação séria e num processo
correto fosse bastante possível provar os fatos alegados. Ou acabar
de vez com qualquer dúvida sobre sua inocência. Mas agora o que
temos é uma clara mudança na opinião pública, com muitas pessoas
se voltando contra Moro, o que é ótimo, pois sabemos que herois não
existem (aprendam essa maldita lição de uma vez por todas). E um
esquema absurdo de corrupção que, se o judiciário não estiver
atrelado a esse mesmo esquema, será tornado impune, pelo desejo sem
limites de um juiz se tornar uma estrela.
E mais uma vez devemos pedir desculpas
pela vergonha que nosso sistema judiciário nos faz passar.
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