sábado, 26 de março de 2016

Não era só um gato



Meados de 2004. Eu, um jovem magrelo e cabeludo, chegando perto do fim da faculdade de Artes Plásticas, saía desesperado no fim da aula, sem me despedir direito de ninguém, correndo pra casa, no Jardim Aeroporto. Naquele dia meu tio iria levar meu novo bichinho de estimação, um gato persa, à época com seis meses de idade.
Subi correndo a escada, e meu pai estava sentado no sofá, sozinho. Não vi o gato. Perguntei sobro paradeiro, e recebi como resposta que o bichano estava fazendo reconhecimento de seu novo território.
Fui pra cozinha, super ansioso, e ali veio aquele lindo bichinho peludo, olhando pra mim de forma carinha, imediatamente se esfregando nas minhas mãos, com o rabinho empinado, já ronronando.
Eu não costumo me lembrar como conheci as pessoas. Não lembro como conheci minha esposa. Então provavelmente não lembrarei como te conheci. Mas eu lembro cada detalhe daquele dia, exceto que dia exato era. Lembro exatamente do primeiro olha que ele lançou pra mim, e lembro exatamente do sorriso que eu dei em retribuição,
Provavelmente eu já sabia que aquele não era um dia comum na minha vida. Aquele foi o dia em que o Gordo apareceu. Um dia em que eu era um merdinha como muitos outros, em busca de um lugar ao sol, com tendências depressivas, num relacionamento destrutivo com uma garota chamada Joyce, com muitos problemas de família.
De lá pra cá, muitas coisas ocorreram. Caí numa forte depressão, onde não queria prosseguir minha vida. Saí de casa, morei de favor na casa de um amigo. Voltei a morar com minha mãe. Fui morar com outro amigo. Fui morar sozinho. Casei. Fomos morar num apartamento. Depois viemos pra casa. E sempre o Gordo esteve ao meu lado.
Aliás, o dia que ele conheceu a Vanessa também foi incrível. Ele nunca gostou muito de outras pessoas, que não fossem eu. Quando a Vanessa me abraçou e me beijou, na frente dele, eu pude ver que ele sentiu raiva. Naquele momento, nós dois ficamos com medo que ele a atacasse. Mas ele era dócil. Não fez isso. Porém, de lá em diante, sempre que nos abraçávamos, ficava passando no meio, miando, chamando a atenção. Era um poço de ciúmes.
E não é que ela vive dizendo que quando eu não estava em casa ele era híper carinhoso com ela. Porque era só eu chegar, que ele mal deixava ela chegar perto dele. Virava uma espécie de sombra.
E ele é também a prova viva que gatos gostam da casa e não do dono. Desde que ele nasceu, moramos no Jardim Aeroporto, no Tucuruvi, no Jardim São Paulo, Vila Gustavo, Guarulhos e Vila Gustavo novamente. Ele teve seis casas diferentes. E sempre continuou sendo o mesmo bichinho amoroso e companheiro de sempre.
Meu pai o definiu como eu bichinho especial. Ele era um gato especial. Viveu comigo cada momento, intenso ou não, que tive. Viveu meu relacionamento amoroso, tomando atenção sempre que podia, mas sempre respeitando e nos deixando em paz, quando começávamos uma relação sexual. Ele sabia que tipo de contato eu gostava, sabia quando poderia vir pedir carinho, ou quando eu queria ficar sozinho.
Em doze anos, jamais ficou doente. Sempre forte. Nunca tentou afiar as unhas no sofá, mas não tinha chinelo que ficasse inteiro.
E no último dia 20 de março, esta história chegou ao fim. Uma parte de mim faleceu. Depois de uma rápida e devastadora doença, enfim, seu coração parou, enquanto o meu estava destruído.
Nos últimos dias entrei numa crise fortíssima diante do meu problema com ansiedade. Tive medo de entrar em mais uma crise de depressão, depois de doze anos. Depois de um bichano que me mostrou como a vida poderia ser feliz.
Exagero? Tudo isso por causa de um gato? Não. Se eu tivesse realmente ficado doente, não seria exagero. Ele não era, nunca foi, nem nunca será só um gato. Ele era aquilo que de melhor eu pude demonstrar ao mundo ao longo desses doze anos incríveis. Ele era minha representação maior de amor aos animais, às pessoas. Minha crença que no fundo todos são bons. Ele era a bola de pelos capaz de colocar um sorriso no meu rosto.
E eu nunca mais vou esquecer, daquele miado roco, baixinho, de olhos fechados, e linguinha de fora, pedindo carinho e atenção, afofando as próprias patas, todas as noites, antes de dormir.
Eu nunca mais vou esquecer...

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