Meados de
2004. Eu, um jovem magrelo e cabeludo, chegando perto do fim da faculdade de
Artes Plásticas, saía desesperado no fim da aula, sem me despedir direito de
ninguém, correndo pra casa, no Jardim Aeroporto. Naquele dia meu tio iria levar
meu novo bichinho de estimação, um gato persa, à época com seis meses de idade.
Subi correndo
a escada, e meu pai estava sentado no sofá, sozinho. Não vi o gato. Perguntei
sobro paradeiro, e recebi como resposta que o bichano estava fazendo
reconhecimento de seu novo território.
Fui pra
cozinha, super ansioso, e ali veio aquele lindo bichinho peludo, olhando pra
mim de forma carinha, imediatamente se esfregando nas minhas mãos, com o
rabinho empinado, já ronronando.
Eu não costumo
me lembrar como conheci as pessoas. Não lembro como conheci minha esposa. Então
provavelmente não lembrarei como te conheci. Mas eu lembro cada detalhe daquele
dia, exceto que dia exato era. Lembro exatamente do primeiro olha que ele
lançou pra mim, e lembro exatamente do sorriso que eu dei em retribuição,
Provavelmente
eu já sabia que aquele não era um dia comum na minha vida. Aquele foi o dia em
que o Gordo apareceu. Um dia em que eu era um merdinha como muitos outros, em
busca de um lugar ao sol, com tendências depressivas, num relacionamento destrutivo
com uma garota chamada Joyce, com muitos problemas de família.
De lá pra cá,
muitas coisas ocorreram. Caí numa forte depressão, onde não queria prosseguir
minha vida. Saí de casa, morei de favor na casa de um amigo. Voltei a morar com
minha mãe. Fui morar com outro amigo. Fui morar sozinho. Casei. Fomos morar num
apartamento. Depois viemos pra casa. E sempre o Gordo esteve ao meu lado.
Aliás, o dia
que ele conheceu a Vanessa também foi incrível. Ele nunca gostou muito de
outras pessoas, que não fossem eu. Quando a Vanessa me abraçou e me beijou, na
frente dele, eu pude ver que ele sentiu raiva. Naquele momento, nós dois
ficamos com medo que ele a atacasse. Mas ele era dócil. Não fez isso. Porém, de
lá em diante, sempre que nos abraçávamos, ficava passando no meio, miando,
chamando a atenção. Era um poço de ciúmes.
E não é que
ela vive dizendo que quando eu não estava em casa ele era híper carinhoso com
ela. Porque era só eu chegar, que ele mal deixava ela chegar perto dele. Virava
uma espécie de sombra.
E ele é também
a prova viva que gatos gostam da casa e não do dono. Desde que ele nasceu,
moramos no Jardim Aeroporto, no Tucuruvi, no Jardim São Paulo, Vila Gustavo,
Guarulhos e Vila Gustavo novamente. Ele teve seis casas diferentes. E sempre
continuou sendo o mesmo bichinho amoroso e companheiro de sempre.
Meu pai o
definiu como eu bichinho especial. Ele era um gato especial. Viveu comigo cada
momento, intenso ou não, que tive. Viveu meu relacionamento amoroso, tomando
atenção sempre que podia, mas sempre respeitando e nos deixando em paz, quando
começávamos uma relação sexual. Ele sabia que tipo de contato eu gostava, sabia
quando poderia vir pedir carinho, ou quando eu queria ficar sozinho.
Em doze anos,
jamais ficou doente. Sempre forte. Nunca tentou afiar as unhas no sofá, mas não
tinha chinelo que ficasse inteiro.
E no último
dia 20 de março, esta história chegou ao fim. Uma parte de mim faleceu. Depois
de uma rápida e devastadora doença, enfim, seu coração parou, enquanto o meu
estava destruído.
Nos últimos
dias entrei numa crise fortíssima diante do meu problema com ansiedade. Tive
medo de entrar em mais uma crise de depressão, depois de doze anos. Depois de
um bichano que me mostrou como a vida poderia ser feliz.
Exagero? Tudo
isso por causa de um gato? Não. Se eu tivesse realmente ficado doente, não
seria exagero. Ele não era, nunca foi, nem nunca será só um gato. Ele era
aquilo que de melhor eu pude demonstrar ao mundo ao longo desses doze anos
incríveis. Ele era minha representação maior de amor aos animais, às pessoas.
Minha crença que no fundo todos são bons. Ele era a bola de pelos capaz de
colocar um sorriso no meu rosto.
E eu nunca
mais vou esquecer, daquele miado roco, baixinho, de olhos fechados, e linguinha
de fora, pedindo carinho e atenção, afofando as próprias patas, todas as
noites, antes de dormir.
Eu nunca mais
vou esquecer...
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