Nove meses. Este foi o período em que
tivemos que passar pelo purgatório. Não um período pra sobreviver, mas para
reaprender a viver. Na verdade, se algum dia alguém conseguir me convencer que
existe algum inferno, acredito que ele será algo bem próximo do que vivi nestes
últimos meses.
É difícil sequer entender como a vida
da este tipo de cambalhota. Você planejar cada passo, pensar meticulosamente as
reações, maneiras de emocionar as pessoas que você ama, e de repente o mundo muda.
Todo seu planejamento é destruído em cinquenta minutos, como se seu esforço não
valesse nada.
E você entende que basicamente não há
justiça no mundo. Pessoas boas e honestas são castigadas por coisas que não
fizeram. Recebem castigos que não merecem. Uma família linda é destruída num
piscar de olhos, sem qualquer razão pra isso.
Foram nove meses de profunda revolta,
estresse, nervoso, e até mesmo um desejo de jogar tudo pra cima, e admitir que
desta vez as forças não foram suficientes para virar o jogo. Não porque eu não
quisesse, mas porque aqueles que tinham o poder de mudar o rumo da partida
simplesmente pareciam não querer fazê-lo.
Nestes meses eu terminei
completamente com minhas pequenas dúvidas sobre a existência de Deus. É óbvio
que esta ideia não passa de ficção barata. E sim, me revoltei com as pessoas
que se apegam a esta bobagem como esta fosse a resposta para a vida, mas que no
fundo mergulhavam em depressão, desistiam e descontavam sua fúria nos outros. E
descarreguei intencionalmente minha raiva nesta ideia patética de deus, talvez
até mesmo como meio de catalisar minha raiva. E sim, isso me deu muito prazer.
E acreditem: passar pelo purgatório
faz com que você reveja sua vida. Até porque eu não vou recorrer a deus pra
nada (e aqueles que acreditavam tanto que nas horas mais difíceis eu iria
acreditar, perderam duas oportunidades, hein?). Eu sempre soube que as forças
vinham de mim. Não adiantava esperar um milagre.
Mas devo admitir, poucas coisas na
vida realmente me abalaram tanto quanto ver a pessoa que eu amo cair tanto,
desistir tão facilmente, e me tratar como se eu fosse culpado pelos problemas.
Não da pra descrever quantas feridas ficaram por conta disso. E eu admito: eu
cheguei a desistir. Em determinado momento, não tinha mais vontade, paciência,
e principalmente, forças pra continuar nessa situação.
Mas parece que neste momento ela
começou a reagir. A subida foi penosa, sofrida e sem nenhum prazer. Apesar da
alegria em ver que ela estava andando de novo, vinha um enorme medo de que ela
não fosse ter forças pra conseguir. E eu entendi que provavelmente eu também
estava contaminado. A sensação de injustiça vivida, de ser responsabilizado, de
não ser forte o suficiente... a sensação de impotência, a pior coisa que um ser
humano poderia sentir, são feridas que ainda não cicatrizaram suficientes.
E sim, hoje eu me sinto um homem mais
“frio”. Me sinto menos tolerante com discussões idiotas, com pessoas nervosas
por motivos banais. Me sinto menos interessado em trabalhar arduamente, porque a
vida acaba num segundo, e você não consegue curtir aquilo que plantou a vida
toda. Me sinto mais impaciente para falar sobre deus, que nunca faz nada por
ninguém.
Mas eu lembro do filme “Jamaica
Abaixo de Zero”, e me sinto um vencedor. Não aquele cara que ganha o primeiro
lugar na corrida, mas o cara que consegue trazer o carro quebrado, com a perna
quebrada num acidente, e ainda doente. E mesmo assim consegue chegar, e mostrar
que, se quiserem te derrubar, melhor que parem de agir de maneira tão amadora.
Superar um desafio desses não da uma
sensação apenas de alívio, e sim uma sensação de total orgulho. E não porque o
nosso ego pede isso, mas porque ainda assim eu fui capaz de manter meu caráter
inabalável. Mesmo com alguns deslizes, fui capaz de resistir à terrível
sensação de desistir. Mesmo com a dificuldade e o sofrimento que me era
causado, consegui aguentar as pontas, e tentar compreender o que estava sendo
vivido, quais emoções estavam em jogo, e porque as coisas estavam ali.
Mesmo com a sensação de rejeição e de
raiva, consegui resistir às tentações, e não me manter fiel a uma pessoa, e sim
à minha palavra e ao meu caráter. E eu sei que algumas pessoas não seriam
capazes de me trazer um copo d´água se eu estivesse morrendo de sede, mas eu
continuo sendo capaz de levar água até elas se elas precisassem disso.
E depois desses tortuosos nove meses, me sinto
feliz nesse dia 21 de julho. Feliz por ter sobrevivido a tudo. Não intacto, mas
sobrevivido. Às vezes até sem força alguma. Feliz por ver a pessoa que eu amo
conseguir se colocar de pé novamente, e começar a tentar seguir nessa corrida,
muitas vezes sem nenhum sentido. E feliz por saber que, por pior que este mundo
seja, eu não preciso ser igual a ele. E muito feliz por estas vivendo estes
dias de nossas vidas.
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