sábado, 3 de setembro de 2011

Basta um peido...


Atualmente, a minha rotina no cartório é a seguinte: receber processos vindos de gabinetes (cerca de cinqüenta ou mais por dia), triá-los, direcioná-los para os devidos fins; fechar os pacotes para enviar os processos para gabinetes, procuradoria, vara de origem, distribuidor, etc.; receber, organizar e triar petições (o que ocorre mais ou menos uma vez por semana); procurar os processos para as petições serem juntadas; atender o público uma hora e quarenta por dia; guardar e organizar volumes e uma série de tarefas a mais, que aparecem ao longo dos dias.
Não é diferente da maioria dos meus colegas, que não fazem exatamente a mesma coisa, mas fazem bastante também. Em geral, agente mexe com mais de 200 processos diferentes por dia. É uma carga absurda, que esgota qualquer um, provocando insatisfação e mau humor. E em geral, fazemos bem feito. Pouquíssimos erros, e pouca coisa parada. Um dos orgulhos que tenho no lugar onde trabalho é que ninguém pode acusar qualquer funcionário ali de ser vagabundo, preguiçoso, ou qualquer merda do tipo. Ali a estigma mentirosa típica das pessoas que não têm qualquer conhecimento de que funcionário público é vagabunda, cai por terra.
Logicamente, erros acontecem. E, parando pra pensar, são muitos. Muita coisa pra fazer, em geral, várias ao mesmo tempo, e tudo pra ontem. Digamos que cada um de nós erre 5% do serviço, o que poderia ser considerado normal em qualquer empresa, ainda mais quando todo mundo faz tudo correndo. Tendo 7 funcionários, daria mais ou menos uns 70 processos com erros, dos 1400 que cada um manipula (tomando como base a média feita anteriormente). Ou seja, um número ínfimo. E coisas que geralmente dá pra consertar.
Isso significa que temos mais de 90% de eficiência, incontestavelmente. Quase todos os processos que passam por ali têm sua finalidade atendida com presteza. E já é do conhecimento de todos que existe uma falta de mão de obra, na casa de 50%. Então você imagina que um cara que junta cerca de 100 petições por dia, faz mandado, faz certidão de objeto e pé, atende ao público, faz remessa, expede guia de levantamento, entre tantas outras coisas, comete apenas 5% de erros em média. Falando da carga de trabalho, das condições e da insatisfação que só aumenta, isso é fenomenal.
Mas sabe aquela história que diz que você pode ser perfeito, lindo, fazer tudo da melhor maneira possível, ser pontual, bom de cama, amigo pra todas as horas, melhor aluno, e mesmo assim ninguém nem nota sua presença, mas basta você dar um peido que todo mundo olha pra você? Pois é, isso é mais que correto no Tribunal de Justiça, ainda mais com egocentrismo dos desembargadores.
Com toda eficiência, bastou um processo enviado de maneira equivocada para a vara de origem, sendo encerrado porque a pessoa que o fez, fazendo muita coisa ao mesmo tempo, não percebeu que centenas de páginas pra trás, uma das questões ainda não tinha sido julgada, que o desembargador, ao constatar o erro, deu um chilique que uma mulher histérica nunca faria. Usou termos como “absurdo”, “indefensável” e mais um monte de agressões, contra um erro. Ele não está preocupado com as condições do cartório, com a carga de trabalho e o esgotamento dos funcionários. Ele quer que saia perfeito, simplesmente. E se não sair, aí o demônio solta!
O cara teve a manha de pedir procedimento administrativo contra o cartório. Ele queria que, além de tudo o que passamos, o responsável fosse punido pelo erro. Ele não ofereceu novos servidores, nem ofereceu melhores materiais, nem solicitou uma mudança nos códigos para que pudesse dar conta do serviço. Ele queria ferrar os poucos que ainda ficam no TJ. A nossa sorte é que o presidente da câmara é gente boa, entende a situação, e se recusou a abrir o procedimento. Mas como disse a nossa chefe, chega uma hora que fica difícil agüentar essa porradaria depois de se esforçar tanto.
E durante a semana foi a minha vez de passar nervoso, com outro desembargador. Fechando centenas de pacotes para os gabinetes, estava certificando a solicitação do desembargador, e ao mesmo tempo tirando dúvidas dos novos escreventes, correndo pra lá e pra cá. Só que por acaso, esqueci de assinar e de juntar ao processo, ficando a folha solta. Fiz a remessa de uns 100 processos, sendo este o único como errado. E toda vez que recebo processos deste gabinete, vem pelo menos metade com as folhas de despachos soltas e sem furar. Como entendo a situação de todos, eu sempre furo e numero, sem criar alarde.
Mas o que fizeram por mim lá no gabinete? Nada! Mandaram assim mesmo para o Excelentíssimo, e ele deu mais um show típico de menino mimado. Reclamou que veio solta, que veio sem assinar, em despacho, a ser publicado, pra quem quiser ver. Citou o meu nome. Em vez de ligar e pedir correção do erro (sendo que já fui lá entregar coisas a pedido, poderia muito bem ir assinar), não ele fez questão de ver o circo pegar fogo. E provavelmente as pessoas de lá também.
Fora o fato do cara insistir em que estamos segurando trabalho, pois só fazemos remessa uma vez por semana. Será que é por que esse mesmo gabinete levou o único funcionário que fazia isso, e tivemos que redistribuir as tarefas, ficando todo mundo ainda mais sobrecarregado? E agora temos que dividir as coisas conforme os dias? Será que eles têm tanta falta de conhecimento assim da realidade em que vivemos?
E pra maioria das pessoas, os peidos são mais importantes que os sorrisos...

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